Por Gary North
Já observou como a mídia relata a intolerável natureza das medidas de austeridade na Grécia? Já leu alguma matéria elogiosa a essas medidas de austeridade e pedindo por ainda mais austeridade? Pois aqui vai.
A austeridade de que se fala é um código para "cortes nos gastos do governo". Em uma mídia controlada por keynesianos, a ideia de cortes nos gastos governamentais é um pesadelo. Keynesianos acreditam que os gastos do governo são a fonte tanto da estabilidade quanto do crescimento da economia. Qualquer sugestão de que o governo tenha gasto muito dinheiro é imediatamente considerada herética.
A ideia de que é um benefício econômico impor uma maior austeridade sobre todos os governos baseia-se em uma pressuposição que é, por si só, contrária ao keynesianismo — a saber, que o gasto privado é o gasto que deveria ser amplamente predominante em uma economia, ao passo que os todos os gastos governamentais — nacional, estaduais e municipais — deveriam preferencialmente não chegar aos dois dígitos. Em uma era na qual esse número está sempre acima de 40%, e até maior em alguns países da Europa Ocidental, uma austeridade desta magnitude é considerada economicamente insana.
Entretanto, um nível de tributação abaixo dos dois dígitos era algo universal em todo o período anterior à Primeira Guerra Mundial. A guerra justificou uma maciça ampliação na tributação e no endividamento, uma ampliação que nunca mais foi revertida.
Para os keynesianos, impor austeridade para os governos é o equivalente a impor austeridade sobre as pessoas. A ideia de que o governo deveria tributar menos, se endividar menos e inflacionar menos a moeda é anátema para os keynesianos. Supostamente, tal austeridade iria cortar o fluxo de riqueza das pessoas. Sem o estado atuando como fonte de fundos para comprar bens e serviços, a economia iria entrar em uma espiral de desemprego e desespero. Ou é isso o que dizem.
Uma situação de teste
As notícias que vêm da Grécia são ruins para o ponto de vista keynesiano e para o sistema bancário. Nos dias 18 e 19 de junho, o esperado pacote de socorro criado pelos políticos do norte da Europa, para benefício único dos grandes bancos europeus, não se concretizou. Durante toda a semana anterior, a mídia relatou que a chanceler alemã Angela Merkel vinha amolecendo, se tornando cada vez mais disposta a aceitar a ideia de mais um pacote de socorro. No ano passado ela havia resistido à ideia, mas acabou cedendo no último minuto. O pacote de socorro 2010 foi aprovado. Desta vez, sem aviso, sua aceitação de último minuto não produziu o resultado esperado. O encontro ocorrido no fim de semana entre os ministros das finanças europeus não gerou o esperado prolongamento dos empréstimos dos governos europeus para o governo grego.
As bolsas vinham subindo à medida que o fim de semana se aproximava. Os investidores acreditaram nas manchetes dos jornais. Eles achavam que os políticos europeus iriam conduzir outro assalto aos cofres dos seus respectivos países para que o governo grego pudesse continuar pagando regularmente juros aos bancos do norte europeu. O pacote de socorro, como sempre, era apenas mais um pacote de socorro aos bancos, só que disfarçado de pacote de socorro ao governo grego. Porém, sem qualquer aviso, os ministros das finanças decidiram não aprovar o pacote. Eles emitiram uma declaração:
"A sustentabilidade da dívida depende criticamente de o governo grego aderir firmemente ao acordado pacote de consolidação fiscal, aos planos de coletar 50 bilhões de euros de receitas de privatização até 2015, e à agenda de reformas estruturais que irão promover um crescimento de médio prazo".
Ainda na semana passada, manifestantes gregos tomaram as ruas para protestar. Eles estavam enviando uma mensagem ao governo grego: nada de cortes no orçamento. De certa forma, a decisão dos ministros das finanças durante o fim de semana enviou uma mensagem em resposta. Se os cortes não ocorrerem como prometido pelo governo grego, não haverá um novo pacote de socorro.
Ontem, o congresso grego aprovou um pacote de austeridade. Resta saber se irá implantá-lo.
Chegou a hora da verdade. O governo grego está encurralado. Os manifestantes parecem representar a maioria dos eleitores gregos. Se o governo de fato fizer os cortes de gasto, ele provavelmente perderá a próxima eleição. Se ele se recusar a fazê-lo, pode não receber a próxima rodada de empréstimos.
Os políticos do norte da Europa podem estar blefando. Eles estão colocando em risco grandes bancos europeus detentores de títulos da dívida grega. Se a Grécia der o calote na sua dívida, os grandes bancos terão prejuízos substanciais. O mesmo ocorrerá com os bancos americanos, que venderam aos bancos europeus seguros contra calotes.
Trata-se de um jogo político para ver quem é o covarde. O destino do euro está em jogo. Se o governo grego decidir sair da União Monetária Europeia e retornar à sua própria moeda, os governos de Portugal e Espanha também começarão a ver a luz no fim de seus respectivos túneis fiscais.
Governos sempre resistem à austeridade. Políticos compram votos com os gastos governamentais. Porém, como na Europa eles não controlam diretamente seus sistemas monetários domésticos, eles acabam tendo de recorrer ao endividamento e aos impostos para financiar seus gastos. Eles não podem pedir aos seus respectivos bancos centrais para darem ordens aos bancos para criarem moeda fiduciária e comprar títulos públicos. Isso deixa os governos à mercê dos investidores que compram títulos, os quais são notoriamente inclementes. Esses investidores podem vetar planos de políticos ao simplesmente se recusarem a continuar emprestando a juros baixos. Ao fazer isso, eles obrigam os políticos a pagarem juros mais altos. E os políticos odeiam isso. Se os juros subirem muito, isso pode causar uma recessão. Por isso, políticos preferem ocultar essa situação fazendo com que o banco central se torne o emprestador de última instância. Porém, o Banco Central europeu vem se recusando a jogar esse jogo.
A Grécia é agora a situação de teste. A Islândia ludibriou os bancos europeus e deu o calote na sua dívida externa. Até agora, isso fez com que a economia islandesa ressuscitasse, algo que a mídia não discute em detalhes. A Islândia se saiu melhor que a Irlanda, que se curvou à União Europeia e ao Banco Central Europeu.
A Islândia possuía essa enorme vantagem: ela nunca se juntou à União Monetária Europeia. Ela agora desfruta baixas taxas de juros sobre seus títulos. Isso indica que a Grécia pode escapar da armadilha caso se retire de União Monetária Europeia e declare moratória sobre sua dívida externa. Isso mandaria uma mensagem para Portugal e Espanha: a libertação é uma opção. Ludibrie os credores estrangeiros e abandone o euro.
Quanto à austeridade governamental, ela é boa para o setor privado. E péssima para os sindicatos de funcionários públicos. Sindicatos não gostam de medidas de austeridade.
Os esquecidos
Vemos os sindicalistas nas ruas de Grécia. Vemos — ou pelo menos ouvimos — os ministros das finanças da União Europeia. Porém, a famosa maioria silenciosa permanece em silêncio.
Os eleitores alemães não querem ouvir falar de mais um pacote de socorro. Eles não quiseram o primeiro ano passado. Mas isso não restringiu o governo Merkel. A Alemanha continua sendo a tesoureira, como tem sido por uma geração.
Os eleitores do Ocidente, através de uma educação controlada pelo estado, foram treinados a acreditar na economia keynesiana. Não obstante, eles estão ficando cada vez mais irritados e impacientes com essas infindáveis convocações para socorrer governos perdulários e os credores que emprestaram dinheiro para esses governos a juros baixos.
O homem esquecido é aquele que paga seus impostos, paga suas contas, paga suas dívidas e aparece pontualmente no trabalho todas as manhãs. Ele sabe o que é austeridade. Austeridade para ele significa fazer seu trabalho bem feito e pagar suas contas. Significa abrir mão de prazeres que ele não pode bancar. Para ele, austeridade significa ater-se rigidamente a um orçamento mensal.
E então ele ouve que austeridade é algo impensável para os políticos gregos. Ele pode acreditar nisso no que concerne ao seu próprio governo; ele já absorveu as máximas do keynesianismo. Mas o keynesianismo sempre teve problemas para explicar aos eleitores por que eles devem pagar impostos mais altos para socorrer governos estrangeiros perdulários. É por isso que ajudas estrangeiras de governos para governos sempre foram algo impopular. Quando os eleitores ouvem políticos dizer que eles precisam pagar mais impostos para socorrer governos estrangeiros, eles se rebelam. Não há lábia política que os convençam dessa necessidade.
Dado que o real motivo para o pacote de socorro é salvar os investimentos feitos pelos grandes bancos protegidos pelo governo, os políticos têm dificuldades em persuadir os eleitores de que outra rodada de pacotes de socorro é uma boa ideia. Se os políticos forem sinceros e disserem que não socorrer o governo grego provocaria a falência de alguns bancos específicos, isso poderia — provavelmente iria — provocar uma corrida a esses bancos, com os correntistas sacando todo o seu dinheiro. E os políticos não querem correr esse risco.
Os grandes bancos europeus colocaram os políticos de seus respectivos países em uma armadilha. Os políticos estão tendo de lidar com a ira dos eleitores, que já estão fartos de financiar pacotes de socorro. Mas os políticos estão com medo de prejudicar os grandes bancos, dado que esses bancos são a fonte do financiamento dos gastos de seus governos. Se os bancos pararem de comprar títulos da dívida doméstica, os políticos terão de elevar impostos — ou, ainda pior para eles, terão de sofrer a indignidade suprema: austeridade. E eles querem evitar ambas as opções.
O homem esquecido é a espinha dorsal de toda a ordem social. Em seu nome, políticos e burocratas gastam os tubos. Ao homem comum cabe o papel de pagar a conta, e ele deve resignar-se a essa função, e de cara boa. Os pacotes de socorro saem integralmente do seu couro, e no entanto os políticos insistem em dizer que estão socorrendo o governo grego para o benefício desse próprio cidadão. E ele não está mais caindo nessa conversa, se é que já caiu algum dia.
E assim, políticos e ministros profissionais irão fingir que estão sendo firmes nas negociações. Eles vivem para isso. Se fossem sérios, diriam ao governo grego que não haverá mais pacotes de socorro, aconteça o que acontecer. Isso acabaria com esse constante adiamento do evento que a maioria dos analistas crê ser o mais provável: um calote grego. As únicas questões são: (1) descobrir em qual momento específico ocorrerá o calote, (2) o total da dívida pendente quando isto ocorrer, e (3) o truque semântico que o governo grego irá utilizar para mascarar o calote.
Os esquecidos permanecerão esquecidos. Eles não controlam as decisões tomadas nos mais altos escalões. O passo rumo à unificação política e monetária da Europa não foi o resultado de um movimento das massas. Tudo ocorreu porque Jean Monnet trabalhou para isso desde 1918. Ele fez isso em nome de interesses corporativos, bancários e políticos que defendiam a centralização do dinheiro e do poder. Monnet, Robert Schuman e toda a turma que arquitetou essa centralização por detrás dos bastidores nunca foram vistos pelo cidadão comum de Europa como os reais arquitetos da destruição da velha Europa. Eles próprios, também, se tornaram esquecidos, exceto por um punhado de especialistas em história, a maioria dos quais aprova o que eles fizeram.
Hilaire du Berrier
Houve apenas um homem que relatou tudo o que vinha ocorrendo. E ele fez isso durante meio século. Hilaire du Berrier, o "espião de Dakota do Norte". Ele morreu em 2002. Ele editava um boletim informativo de pequena circulação, HduB Reports, narrando cronologicamente estes eventos e os falando sobre os agentes que arquitetavam tudo. Tenho um conjunto desses excelentes boletins em um CD-ROM. Esse material nunca foi publicado. Algum dia, espero poder disponibilizá-lo para pesquisadores sérios.
Em uma entrevista concedida em 1999 a outro notável historiador, Jim Lucier, discutiu-se o advento do euro. Du Berrier fez algumas observações que se perderam na memória. E elas precisam ser resgatadas.
Bom, em 1º de janeiro, os europeus supostamente adotarão o euro e perderão suas moedas nacionais. Quando os proponentes da integração europeia fundaram esse movimento europeu ao final da Segunda Guerra Mundial, eles disseram aos europeus que se tratava apenas da criação de um mercado comum com o intuito de derrubar barreiras comerciais e eliminar tarifas alfandegárias. Então, quando eles já haviam atraído e levado os países europeus a um envolvimento do qual eles não mais podiam recuar, esses proponentes simplesmente falaram que a ideia agora era formar uma República da Europa — um país, uma super-nação, com um parlamento em Estrasburgo e outro em Bruxelas, e um banco central na Alemanha. Atualmente, eles já se encontram em um estágio tão avançado, que 11 nações já se comprometeram a adotar essa nova moeda — e a elas está sendo dito que se trata de um lance político, e que serão governadas por um parlamento central.
Os homens que armaram isso, fizeram tudo em encontros secretos na Embaixada Americana em Paris pouco tempo depois da guerra. David K. Bruce era o embaixador americano da época, e sua mulher, Evangeline, em suas memórias, disse que testemunhou todo o movimento europeu sendo criado na frente de seus olhos. Disse ela: "Tudo poderia ter sido feito em outro lugar, mas foi feito lá, e foi realmente possível ver a ideia sendo cristalizada. As conversas ocorriam diariamente e, no final de tudo, eles simplesmente descartaram aquilo que realmente era o plano original para o Mercado Comum".
Dean Acheson, dos Estados Unidos, e Jean Monnet e Robert Schuman, da França, fizeram o planejamento. George Ball, um americano, era o advogado de Monnet. John Foster Dulles também participou de tudo.
Nesta época, em 1999, Du Berrier já vinha escrevendo há 40 anos, documentando tudo o que ocorria. Ele resumiu:
Bem, esses países que entrarem nesse arranjo verão suas soberanias lhes serem arrancadas, pois o Parlamento da Europa, essa Europa super-estado, terá prioridade sobre os parlamentos, leis e constituições nativas. E assim, países até então independentes, irão se tornar províncias.
Esse processo ainda está se desenrolando. Mas os gregos jogaram uma chave-inglesa nas engrenagens.
Lucier: O que irá ocorrer com o euro? Vai ser uma moeda forte ou irá causar uma depressão na Europa?
HduB: As melhores autoridades da Europa estão divididas. Alguns dizem que irá gerar problemas; outros dizem que o euro será tão forte que irá provocar uma perda de confiança na libra esterlina e no dólar. O que ocorrerá é que o euro irá atacar a tradição. Ao mesmo tempo em que a Europa será atingida no plexo solar de suas tradições, veremos o início da guerra islâmica. Espremida entre esses dois fenômenos, a Europa vivenciará tempos difíceis.
O euro não irá se manter. A crise doméstica dos muçulmanos desempregados, que não se integraram às nações européias que os acolheram, está se acelerando. Os melhores planos concebidos por burocratas proponentes de um governo mundial não se concretizarão. Mas será necessário um grande abalo nas fundações econômicas para se retirar o poder de Bruxelas. E esse abalo já começou.
Conclusão
A não aprovação do pacote de socorro dois fins-de-semana atrás indica que a crise da dívida grega é pior do que o público foi levado a crer. Os ministros das finanças decidiram esperar o governo da Grécia tomar atitudes. Isso forçou a aprovação das medidas de austeridade. Resta saber se elas serão de fato implementadas.
Em minha opinião, não há a menor chance de os políticos gregos de fato imporem as medidas de austeridade exigidas pelos políticos e burocratas europeus. Assim, um dos lados irá se render. Dado o sucesso dos políticos da Islândia, os gregos parecem estar no controle.
O keynesianismo doméstico da Grécia irá triunfar sobre o keynesianismo internacional da União Europeia. Cedo ou tarde, os políticos europeus irão dizer não a outro pacote de socorro. Os políticos gregos também irão dizer não à austeridade. Isso irá marcar o início do fim do euro.
Hilaire du Berrier teria adorado ver tudo isso. Eu estou.
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