quarta-feira, 24 de abril de 2013

John G. Paton




A publicidade internacional que cercou a notícias trágica da morte de John Williams produziu uma onde de choque através da igreja cristã, especialmente nas ilhas Britânicas, onde dezenas de jovens se comprometeram a tomar o seu lugar. Os presbiterianos, representados por John Geddie, foram os primeiros protestantes que conseguiram permanecer nas Novas Hébridas nos anos que se seguiram à tragédia de Williams. Geddie, descrito como um missionário “duro, sem senso de humor, sincero e incrivelmente corajoso”, tinha ficado interessado nos relatos do heroísmo missionário nos Mares do Sul, desde os primeiros anos de sua infância na Nova Escócia. Em 1848, ele e a esposa viajaram para Aneityum, a ilha mais ao sul das Novas Hébridas e passaram ali sua vida traduzindo as Escrituras, evangelizando e treinando obreiros nativos. Eles foram tão eficazes em seu trabalho evangelístico que praticamente toda a população da ilha tornou-se cristã. Uma inscrição relativa a Geddie, em uma das igrejas estabelecidas por ele, sublinhou sua poderosa influência: “Quando ele desembarcou em 1848, não havia cristão aqui; quando partiu em 1872, não havia pagãos”.

O sucesso de Geddie estimulou mais intereesse e logo outros missionários presbiterianos começaram a chegar. Um deles foi John G. Paton, talvez o mais conhecido missionário dos Mares do Sul, que se imortalizou em grande parte por causa de seus relatos passo a passo dos nativos massacrando os missionários, publicados em sua autobiografia amplamente divulgada e carregada de tensão. Paton, conforme contado por ele mesmo, sofreu tantos atentados às mãos dos nativos que lhe era impossível anumerá-los. A mera sobrevivência era uma tensão física e mental constante e permanecer vivo já era em si um fato notável.

John Paton nasceu em 1824, em Dunfries, na Escócia, e cresceu numa casa pequena de três cômodos com telhado de palha, onde seu pai ganhava o sustento tecendo meias. A família era pobre e antes de John fazer 12 anos, ele foi forçado a deixar a escola e passar seus dias trabalhando ao lado do pai para ajudar a sustentar a família. Os Paton eram presbiterianos fiéis que concentravam sua vida nas atividades da igreja, mas não foi senão aos 17 anos que John se converteu – uma experiência transformadora que o levou a fixar-se na idéia de serviço cristão de tempo integral.

A primeira prova verdadeira de serviço cristão ocorreu para Paton aos seus vinte e poucos anos de vida, quando ele tornou-se missionário para a Missão da Cidade de Glasgow, cuja posição lhe propiciava a quantia de 200 dólares por ano. Ele começou a trabalhar nos cortiços de Glasgow, onde as massas operárias empobrecidas se espalhavam pelas ruas e onde o “pecado e o vício grassavam abertamente e sem qualquer embaraço”. A tarefa mostrou-se difícil, mas preparou-se bem para as provações que enfrentaria futuramente nas Novas Hébridas. A posição contra o seu trabalho evangelístico nas ruas era violenta, mas a filosofia de Paton não admitia retirada: “Deixe que vejam que provocá-lo lhe causa medo e irão brutal e cruelmente abusar de você, mas desafie-os destemidamente ou tome-os pelo nariz, e irão rastejar como cãezinhos aos seus pés.”¹
John G. Paton
John G. Paton

Depois de trabalhar dez anos como missionário na cidade, Paton ouviu falar da grande necessidade de missionários no Pacífico Sul em sua própria igreja, a Igreja Presbiteriana Reformada Escocesa. No início, ele estava inclinado a pensar que deveria permanecer no seu posto, sabendo como necessitavam dele ali; mas não conseguia tirar da mente as ilhas do Pacífico. Todavia, seu trabalho era necessário na missão da cidade e como iria anunciar aos diretores da mesma que iria deixá-los? Por outro lado, como poderia ficar em casa, na Escócia, quando milhares de ilhéus estavam indo para a eternidade sem jamais ter ouvido o nome de Cristo? A decisão mostrou-se difícil, mas uma vez feita, nem sequer ofertas de um salário maior e uma mansão poderiam tentá-lo a permanecer no trabalho da missão da cidade. Nem a voz do medo conseguiu dissuadi-lo. “Você vai ser comido pelos canibais”, advertiram eles. Porém, Paton não precisava de que o lembrassem disso. O destino do grande John Williams nunca se afastava de seus pensamentos.
Na primavera de 1858, depois de uma série de palestras realizadas durante três meses na congregação presbiterianas, ele estava pronto para seguir viagem. Antes de partir, resolveu dois assuntos finais, sua ordenação e seu casamento com Mary Ann Robson, e a 16 de abril navegou para os Mares do Sul.  Ao chegar às Novas Hébridas, os Paton seguiram imediatamente para a ilha de Tanna, onde foram quase vencidos por um caso grave de choque cultural: “Minhas primeiras impressões me levaram à beira de uma desmaio. Ao contemplar aqueles nativos em suas pinturas, nudez e miséria, meu coração ficou cheio de horror e piedade... As mulheres usavam apenas um minúsculo avental de grama... os homens uma coisa indescritível, como uma bolsa ou saco,  e as crianças absolutamente nada!”²

Depois de Paton estabelecer-se em Tanna, não demorou muito para descobriu as duras realidades do estilo de vida nativo e o problema da nudez diminuiu rapidamente em comparação. Os nativos se envolviam em jogos guerreiros mortais e às vezes sutis entre si. Mortes ocorriam quase diariamente e eram aceitas como parte rotineira da vida, com erupções violentas ocasionais que ameaçavam toda a população. Foi um período cheio de tensão quase sem tempo para relaxar. Sua situação se complicava ainda mais devido aos ataques sempre iminentes de febre. Mary era mais perseguida pela doença que o marido e a sua condição piorou depois de ter dado à luz. A 3 de março de 1859, ela morreu de febre de três semanas mais trade seu filhinho recém-nascido também morreu. Foi um período de desespero para Paton. Um curto ano se passara desde que haviam repetido solenemente seus votos de casamento e agora tudo tinha acabado. Era quase demais para suportar: “ Se não fosse Jesus... eu teria enlouquecido e morrido ao lado daquela sepultura solitária”.³
John G. Paton
John G. Paton

Os primeiros anos do serviço missionário de Paton viram pouco progresso no estabelecimento do cristianismo entre o povo de Tanna, e o que foi realizado deveu-se mais aos esforços dos professores nativos que haviam chegado de Aneityum onde John Geddie servia. Eles não só pregaram eficazmente o evangelho, como também deram exemplo de vida cristã diante dos outros ilhéus, de um modo que europeu algum poderia fazer. Isto aplicou-se especialmente à área das relações familiares, em particular com referência às mulheres. Estas, na estrutura social de Tanna, praticamente não passavam de escravas, sendo freqüentemente espancadas pelos maridos e algumas vezes até mortas. Não é de surpreender que o exemplo mostrado pelos professores nativos e a proteção que ofereceram às mulheres do lugar, constituíssem uma ameaça para os homens. Ataques violentos foram feitos contra Paton e os professores nativos. Namuri, um dos assistentes fiéis de Paton foi morto. A doença também cobrou sua parte dos mestres nativos. Quando o sarampo foi levado a Aneityum por marinheiros europeus, treze dos professores de Aneityum morreram e o restante, exceto um casal fiel, foi embora. A epidemia foi tão grave, segundo Paton, que um terço da população de Tanna desapareceu.

No verão de 1861, três anos depois da chegada de Paton, os nativos de Tanna se encontravam à beira da guerra civil e o próprio Paton achava-se bem no centro de grande parte do conflito. Numa certa ocasião, Paton e o único professor de Aneityum que restava, ficaram trancados num quarto durante quatro dias enquanto os nativos aguardavam do lado de fora para matá-los. Os nativos da costa eram os que mais desprezavam Paton e ameaçavam uma guerra total contra as tribos do interior, a não ser que Paton fosse embora. Finalmente, em meados de janeiro de 1862, as explosões diárias de violência se transformaram numa guerra civil de grandes proporções. Usando sua arma como proteção, Paton fugiu de Tanna a bordo de um navio mercante, deixando todos os seus pertences para trás.

Ao partir de Tanna, Paton seguiu para Aneityum e depois para a Austrália, onde começou imediatamente a visitar as igrejas presbiterianas, contando ao povo os horrores que suportava nas Novas Hébridas. Ele era um orador capaz e quando sua viagem terminou, as ofertas recebidas totalizavam mais de 25.000 dólares, a serem usados para a compra de um navio missionário, o Dayspring (Dia da Primavera). Na primavera de 1863, Paton navegou para as Ilhas Britânicas onde continuou suas visitas às igrejas presbiterianas, levantando milhares de dólares para as missões nos Mares do Sul. Enquanto realizava seu circuito das igrejas, Paton voltou a casar-se e, fins de 1864, ele e sua esposa Margaret viajaram para a Austrália, partindo para as Novas Hébridas a bordo do Dayspring.

Logo depois de chegar às ilhas, Paton envolveu-se num conflito que quase arruinou seu ministério e o de outros missionários nos Mares do Sul. As experiências que tivera no passado com os ilhéus, assim como os problemas enfrentados por outros europeus, haviam convencido um comodoro britânico belicoso a circular com seu barco de guerra pelas ilhas e castigar os nativos de Tanna, destruindo algumas de suas ilhas – especialmente os habitantes da costas que fizeram forte oposição a Paton. Este negou mais tarde ter “dirigido” o castigo, mas acompanhou realmente a expedição como intérprete, ligando assim diretamente as missões e a ação militar. Embora os nativos fossem avisados antecipadamente e houvesse poucas mortes,  incidente criou tremendo escândalo. Segundo Paton, “as zombarias comuns sobre o ‘evangelho e pólvora’ foram manchete em centenas de artigos amargos e escarnecedores e, sem perder sua força, as notícias foram telegrafadas para a Inglaterra e Estados Unidos, onde a imprensa secular e infiel as serviu diariamente aos leitores com todo o seu horror. Alguns dos mais severos críticos de Paton não foram, porém, os infiéis, mas os seus próprios colegas. John Geddie, um missionário presbiteriano, que se achava de licença na ocasião, ficou enraivecido ao ouvir as notícias e culpou Paton pelo incidente. Como resultado, houve uma reação negativa à causa das missões, mas até que ponto é impossível determinar; embora o próprio Paton se queixasse do caso ter tornado “bem mais difícil a tarefa de levantar fundos para o navio missionário”.⁴
O segundo período de Paton nas Novas Hébridas foi passado na pequena ilha de Aniwa desde que Tanna continuava sendo considerada insegura para os europeus. Mais uma vez, Paton fez-se acompanhar por professores de Aneityum e ele e a mulher logo se estabeleceram em seu novo posto missionário. Apesar de Aniwa ser considerada como mais pacífica do que Tanna, os Paton e seus professores nativos ainda continuaram sendo alvo de ameaças, mas Paton tinha agora uma arma psicológica (se não física) contra eles. Ele os advertiu a não “matarem ou roubarem, caso contrário o navio de guerra que castigou Tanna explodiria sua pequena ilha”.⁵
John G. Paton e família
John G. Paton e família

À medida que os Paton continuaram seu ministério em Aniwa nas décadas que se seguiram, eles testemunharam resultados impressionantes produzidos pelo cristianismo no coração do povo. Com a ajuda de cristãos nativos, eles construíram dois orfanatos, estabeleceram uma igreja que logo cresceu e também escolas – uma delas para meninas, onde Margaret ensinava. Paton, apoiado por chefes convertidos, tornou-se uma influência política poderosa, e as austeras leis puritanas se tornaram o padrão pelo qual os habitantes tinham de pautar-se. Crimes tais como transgressão do descanso sabático não eram considerados superficialmente. Em uma ocasião, depois de vários “pagãos” terem sido descobertos pescando nesse dia, eles foram visitados na manhã seguinte por Paton e oitenta de seus seguidores cristãos sendo rapidamente persuadidos a retratar-se.⁶

Embora a atitude de Paton para com os ilhéus do Pacífico muitas vezes parecesse dura, ele se dedicava inteiramente à obra de ganhá-los para Cristo e os amava sinceramente. Ao descrever o primeiro culto de comunhão que realizou em Aniwa, ele escreveu: “No momento em que coloquei o pão e o vinho naquelas mãos escuras, antes manchadas com o sangue do canibalismo, agora estendidas para receber e compartilhar dos símbolos e selos do amor do Redentor, tive um antegozo da alegria da Glória que quase partiu meu coração em pedaços. Jamais provarei uma benção mais profunda, até que venha a contemplar a face glorificada do próprio Jesus.”⁷

Depois da igreja de Aniwa ter-se firmado, Paton passou os últimos anos de sua vida como estadista missionário, viajando pela Austrália, Grã-Bretanha e América do norte, levantando fundos e fazendo conferências sobre as necessidades da missão nas Novas Hébridas. Grande progresso estava sendo realizado nessas ilhas, devido e parte à sua larga influência. No final do século, só algumas das trinta ilhas habitadas não tinham sido ainda alcançadas pelo evangelho. Uma escola fora estabelecida para treinar evangelistas nativos, cujo número excedia trezentos, e cerca de duas dúzias de missionários e suas esposas serviam com eles.

Paton trabalhou diligentemente até o fim, traduzindo a bíblia para a língua de Aniwa e falando a respeito das missões. Aos 73 anos, enquanto fazia uma viagem de pregações, ele escreveu sobre seus dias ocupados: “Eu realizei três cultos ontem, viajando trinte e dois quilômetros entre um e outro; durante o trajeto fui corrigindo provas gráficas”.⁸ Os Paton voltaram às ilhas para uma breve visita em 1904. No ano seguinte Margaret morreu e dois anos depois seu marido, de 83 anos , juntou-se a ela, deixando o trabalho nas Novas  Hébridas a cargo de seu filho Frank.


Notas
[1] Ralph Bell, John G. Paton: Apostlhe to the New Hebrides (Butler, Ind. Higley, 1957), 42-43
[2] John G. Paton, The Story of Dr. John G. Patons’s Thirty Years with South Sea Canniblas (Nova Iorque: Doran, 1923), 33.
[3] Paton, The Story, 36
[4] Kent, Company of Heaven, 118-119; Paton, The Story, 130.
[5] Bell, John G. Paton, 157
[6] Bell, John G. Paton, 179
[7] Bell, John G. Paton, 180
[8] Bell, John G. Paton, 237-238
Bibliografia
Bell, Ralph. John G. Paton: Apostlhe to the New Hebrides. Butler, Ind: Hindghley, 1957.
Panton, John G. The Story of Dr. John G. Paton’s Thirty Years With South Sea Canibals. Nova York: Doran, 1923;

Texto retirado do livro: “… Até aos confins da terra.” – Ruth A. Tucker. Editora Vida Nova. Edição: Maio de 1986

Nenhum comentário:

Postar um comentário