A publicidade internacional que cercou a notícias
trágica da morte de John Williams produziu uma onde de choque através
da igreja cristã, especialmente nas ilhas Britânicas, onde dezenas de
jovens se comprometeram a tomar o seu lugar. Os presbiterianos,
representados por John Geddie, foram os primeiros protestantes que
conseguiram permanecer nas Novas Hébridas nos anos que se seguiram à
tragédia de Williams. Geddie, descrito como um missionário “duro, sem
senso de humor, sincero e incrivelmente corajoso”, tinha ficado
interessado nos relatos do heroísmo missionário nos Mares do Sul, desde
os primeiros anos de sua infância na Nova Escócia. Em 1848, ele e a
esposa viajaram para Aneityum, a ilha mais ao sul das Novas Hébridas e
passaram ali sua vida traduzindo as Escrituras, evangelizando e
treinando obreiros nativos. Eles foram tão eficazes em seu trabalho
evangelístico que praticamente toda a população da ilha tornou-se
cristã. Uma inscrição relativa a Geddie, em uma das igrejas
estabelecidas por ele, sublinhou sua poderosa influência: “Quando ele
desembarcou em 1848, não havia cristão aqui; quando partiu em 1872, não
havia pagãos”.
O sucesso de Geddie estimulou
mais intereesse e logo outros missionários presbiterianos começaram a
chegar. Um deles foi John G. Paton, talvez o mais conhecido missionário
dos Mares do Sul, que se imortalizou em grande parte por causa de seus
relatos passo a passo dos nativos massacrando os missionários,
publicados em sua autobiografia amplamente divulgada e carregada de
tensão. Paton, conforme contado por ele mesmo, sofreu tantos atentados
às mãos dos nativos que lhe era impossível anumerá-los. A mera
sobrevivência era uma tensão física e mental constante e permanecer
vivo já era em si um fato notável.
John Paton
nasceu em 1824, em Dunfries, na Escócia, e cresceu numa casa pequena de
três cômodos com telhado de palha, onde seu pai ganhava o sustento
tecendo meias. A família era pobre e antes de John fazer 12 anos, ele
foi forçado a deixar a escola e passar seus dias trabalhando ao lado do
pai para ajudar a sustentar a família. Os Paton eram presbiterianos
fiéis que concentravam sua vida nas atividades da igreja, mas não foi
senão aos 17 anos que John se converteu – uma experiência
transformadora que o levou a fixar-se na idéia de serviço cristão de
tempo integral.
A primeira prova verdadeira
de serviço cristão ocorreu para Paton aos seus vinte e poucos anos de
vida, quando ele tornou-se missionário para a Missão da Cidade de
Glasgow, cuja posição lhe propiciava a quantia de 200 dólares por ano.
Ele começou a trabalhar nos cortiços de Glasgow, onde as massas
operárias empobrecidas se espalhavam pelas ruas e onde o “pecado e o
vício grassavam abertamente e sem qualquer embaraço”. A tarefa
mostrou-se difícil, mas preparou-se bem para as provações que
enfrentaria futuramente nas Novas Hébridas. A posição contra o seu
trabalho evangelístico nas ruas era violenta, mas a filosofia de Paton
não admitia retirada: “Deixe que vejam que provocá-lo lhe causa medo e
irão brutal e cruelmente abusar de você, mas desafie-os destemidamente
ou tome-os pelo nariz, e irão rastejar como cãezinhos aos seus pés.”¹
John G. Paton
Depois
de trabalhar dez anos como missionário na cidade, Paton ouviu falar da
grande necessidade de missionários no Pacífico Sul em sua própria
igreja, a Igreja Presbiteriana Reformada Escocesa. No início, ele
estava inclinado a pensar que deveria permanecer no seu posto, sabendo
como necessitavam dele ali; mas não conseguia tirar da mente as ilhas
do Pacífico. Todavia, seu trabalho era necessário na missão da cidade e
como iria anunciar aos diretores da mesma que iria deixá-los? Por outro
lado, como poderia ficar em casa, na Escócia, quando milhares de ilhéus
estavam indo para a eternidade sem jamais ter ouvido o nome de Cristo?
A decisão mostrou-se difícil, mas uma vez feita, nem sequer ofertas de
um salário maior e uma mansão poderiam tentá-lo a permanecer no
trabalho da missão da cidade. Nem a voz do medo conseguiu dissuadi-lo.
“Você vai ser comido pelos canibais”, advertiram eles. Porém, Paton não
precisava de que o lembrassem disso. O destino do grande John Williams
nunca se afastava de seus pensamentos.
Na primavera de 1858, depois
de uma série de palestras realizadas durante três meses na congregação
presbiterianas, ele estava pronto para seguir viagem. Antes de partir,
resolveu dois assuntos finais, sua ordenação e seu casamento com Mary
Ann Robson, e a 16 de abril navegou para os Mares do Sul. Ao chegar às
Novas Hébridas, os Paton seguiram imediatamente para a ilha de Tanna,
onde foram quase vencidos por um caso grave de choque cultural: “Minhas
primeiras impressões me levaram à beira de uma desmaio. Ao contemplar
aqueles nativos em suas pinturas, nudez e miséria, meu coração ficou
cheio de horror e piedade... As mulheres usavam apenas um minúsculo
avental de grama... os homens uma coisa indescritível, como uma bolsa
ou saco, e as crianças absolutamente nada!”²
Depois
de Paton estabelecer-se em Tanna, não demorou muito para descobriu as
duras realidades do estilo de vida nativo e o problema da nudez
diminuiu rapidamente em comparação. Os nativos se envolviam em jogos
guerreiros mortais e às vezes sutis entre si. Mortes ocorriam quase
diariamente e eram aceitas como parte rotineira da vida, com erupções
violentas ocasionais que ameaçavam toda a população. Foi um período
cheio de tensão quase sem tempo para relaxar. Sua situação se
complicava ainda mais devido aos ataques sempre iminentes de febre.
Mary era mais perseguida pela doença que o marido e a sua condição
piorou depois de ter dado à luz. A 3 de março de 1859, ela morreu de
febre de três semanas mais trade seu filhinho recém-nascido também
morreu. Foi um período de desespero para Paton. Um curto ano se passara
desde que haviam repetido solenemente seus votos de casamento e agora
tudo tinha acabado. Era quase demais para suportar: “ Se não fosse
Jesus... eu teria enlouquecido e morrido ao lado daquela sepultura
solitária”.³
Os
primeiros anos do serviço missionário de Paton viram pouco progresso no
estabelecimento do cristianismo entre o povo de Tanna, e o que foi
realizado deveu-se mais aos esforços dos professores nativos que haviam
chegado de Aneityum onde John Geddie servia. Eles não só pregaram
eficazmente o evangelho, como também deram exemplo de vida cristã
diante dos outros ilhéus, de um modo que europeu algum poderia fazer.
Isto aplicou-se especialmente à área das relações familiares, em
particular com referência às mulheres. Estas, na estrutura social de
Tanna, praticamente não passavam de escravas, sendo freqüentemente
espancadas pelos maridos e algumas vezes até mortas. Não é de
surpreender que o exemplo mostrado pelos professores nativos e a
proteção que ofereceram às mulheres do lugar, constituíssem uma ameaça
para os homens. Ataques violentos foram feitos contra Paton e os
professores nativos. Namuri, um dos assistentes fiéis de Paton foi
morto. A doença também cobrou sua parte dos mestres nativos. Quando o
sarampo foi levado a Aneityum por marinheiros europeus, treze dos
professores de Aneityum morreram e o restante, exceto um casal fiel,
foi embora. A epidemia foi tão grave, segundo Paton, que um terço da
população de Tanna desapareceu.
No verão de
1861, três anos depois da chegada de Paton, os nativos de Tanna se
encontravam à beira da guerra civil e o próprio Paton achava-se bem no
centro de grande parte do conflito. Numa certa ocasião, Paton e o único
professor de Aneityum que restava, ficaram trancados num quarto durante
quatro dias enquanto os nativos aguardavam do lado de fora para
matá-los. Os nativos da costa eram os que mais desprezavam Paton e
ameaçavam uma guerra total contra as tribos do interior, a não ser que
Paton fosse embora. Finalmente, em meados de janeiro de 1862, as
explosões diárias de violência se transformaram numa guerra civil de
grandes proporções. Usando sua arma como proteção, Paton fugiu de Tanna
a bordo de um navio mercante, deixando todos os seus pertences para
trás.
Ao partir de Tanna, Paton seguiu para
Aneityum e depois para a Austrália, onde começou imediatamente a
visitar as igrejas presbiterianas, contando ao povo os horrores que
suportava nas Novas Hébridas. Ele era um orador capaz e quando sua
viagem terminou, as ofertas recebidas totalizavam mais de 25.000
dólares, a serem usados para a compra de um navio missionário, o
Dayspring (Dia da Primavera). Na primavera de 1863, Paton navegou para
as Ilhas Britânicas onde continuou suas visitas às igrejas
presbiterianas, levantando milhares de dólares para as missões nos
Mares do Sul. Enquanto realizava seu circuito das igrejas, Paton voltou
a casar-se e, fins de 1864, ele e sua esposa Margaret viajaram para a
Austrália, partindo para as Novas Hébridas a bordo do Dayspring.
Logo
depois de chegar às ilhas, Paton envolveu-se num conflito que quase
arruinou seu ministério e o de outros missionários nos Mares do Sul. As
experiências que tivera no passado com os ilhéus, assim como os
problemas enfrentados por outros europeus, haviam convencido um
comodoro britânico belicoso a circular com seu barco de guerra pelas
ilhas e castigar os nativos de Tanna, destruindo algumas de suas ilhas
– especialmente os habitantes da costas que fizeram forte oposição a
Paton. Este negou mais tarde ter “dirigido” o castigo, mas acompanhou
realmente a expedição como intérprete, ligando assim diretamente as
missões e a ação militar. Embora os nativos fossem avisados
antecipadamente e houvesse poucas mortes, incidente criou tremendo
escândalo. Segundo Paton, “as zombarias comuns sobre o ‘evangelho e
pólvora’ foram manchete em centenas de artigos amargos e escarnecedores
e, sem perder sua força, as notícias foram telegrafadas para a
Inglaterra e Estados Unidos, onde a imprensa secular e infiel as serviu
diariamente aos leitores com todo o seu horror. Alguns dos mais severos
críticos de Paton não foram, porém, os infiéis, mas os seus próprios
colegas. John Geddie, um missionário presbiteriano, que se achava de
licença na ocasião, ficou enraivecido ao ouvir as notícias e culpou
Paton pelo incidente. Como resultado, houve uma reação negativa à causa
das missões, mas até que ponto é impossível determinar; embora o
próprio Paton se queixasse do caso ter tornado “bem mais difícil a
tarefa de levantar fundos para o navio missionário”.⁴
O segundo
período de Paton nas Novas Hébridas foi passado na pequena ilha de
Aniwa desde que Tanna continuava sendo considerada insegura para os
europeus. Mais uma vez, Paton fez-se acompanhar por professores de
Aneityum e ele e a mulher logo se estabeleceram em seu novo posto
missionário. Apesar de Aniwa ser considerada como mais pacífica do que
Tanna, os Paton e seus professores nativos ainda continuaram sendo alvo
de ameaças, mas Paton tinha agora uma arma psicológica (se não física)
contra eles. Ele os advertiu a não “matarem ou roubarem, caso contrário
o navio de guerra que castigou Tanna explodiria sua pequena ilha”.⁵
John G. Paton e família
À
medida que os Paton continuaram seu ministério em Aniwa nas décadas que
se seguiram, eles testemunharam resultados impressionantes produzidos
pelo cristianismo no coração do povo. Com a ajuda de cristãos nativos,
eles construíram dois orfanatos, estabeleceram uma igreja que logo
cresceu e também escolas – uma delas para meninas, onde Margaret
ensinava. Paton, apoiado por chefes convertidos, tornou-se uma
influência política poderosa, e as austeras leis puritanas se tornaram
o padrão pelo qual os habitantes tinham de pautar-se. Crimes tais como
transgressão do descanso sabático não eram considerados
superficialmente. Em uma ocasião, depois de vários “pagãos” terem sido
descobertos pescando nesse dia, eles foram visitados na manhã seguinte
por Paton e oitenta de seus seguidores cristãos sendo rapidamente
persuadidos a retratar-se.⁶
Embora a atitude
de Paton para com os ilhéus do Pacífico muitas vezes parecesse dura,
ele se dedicava inteiramente à obra de ganhá-los para Cristo e os amava
sinceramente. Ao descrever o primeiro culto de comunhão que realizou em
Aniwa, ele escreveu: “No momento em que coloquei o pão e o vinho
naquelas mãos escuras, antes manchadas com o sangue do canibalismo,
agora estendidas para receber e compartilhar dos símbolos e selos do
amor do Redentor, tive um antegozo da alegria da Glória que quase
partiu meu coração em pedaços. Jamais provarei uma benção mais
profunda, até que venha a contemplar a face glorificada do próprio
Jesus.”⁷
Depois da igreja de Aniwa ter-se
firmado, Paton passou os últimos anos de sua vida como estadista
missionário, viajando pela Austrália, Grã-Bretanha e América do norte,
levantando fundos e fazendo conferências sobre as necessidades da
missão nas Novas Hébridas. Grande progresso estava sendo realizado
nessas ilhas, devido e parte à sua larga influência. No final do
século, só algumas das trinta ilhas habitadas não tinham sido ainda
alcançadas pelo evangelho. Uma escola fora estabelecida para treinar
evangelistas nativos, cujo número excedia trezentos, e cerca de duas
dúzias de missionários e suas esposas serviam com eles.
Paton
trabalhou diligentemente até o fim, traduzindo a bíblia para a língua
de Aniwa e falando a respeito das missões. Aos 73 anos, enquanto fazia
uma viagem de pregações, ele escreveu sobre seus dias ocupados: “Eu
realizei três cultos ontem, viajando trinte e dois quilômetros entre um
e outro; durante o trajeto fui corrigindo provas gráficas”.⁸ Os Paton
voltaram às ilhas para uma breve visita em 1904. No ano seguinte
Margaret morreu e dois anos depois seu marido, de 83 anos , juntou-se a
ela, deixando o trabalho nas Novas Hébridas a cargo de seu filho Frank.
Notas
[1] Ralph Bell, John G. Paton: Apostlhe to the New Hebrides (Butler, Ind. Higley, 1957), 42-43
[2] John G. Paton, The Story of Dr. John G. Patons’s Thirty Years with South Sea Canniblas (Nova Iorque: Doran, 1923), 33.
[3] Paton, The Story, 36
[4] Kent, Company of Heaven, 118-119; Paton, The Story, 130.
[5] Bell, John G. Paton, 157
[6] Bell, John G. Paton, 179
[7] Bell, John G. Paton, 180
[8] Bell, John G. Paton, 237-238
Bibliografia
Bell, Ralph. John G. Paton: Apostlhe to the New Hebrides. Butler, Ind: Hindghley, 1957.
Panton, John G. The Story of Dr. John G. Paton’s Thirty Years With South Sea Canibals. Nova York: Doran, 1923;
Texto retirado do livro: “… Até aos confins da terra.” – Ruth A. Tucker. Editora Vida Nova. Edição: Maio de 1986